Opinião

O Brasil em travessia e as perguntas turbulentas

Por Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Estou indo embora. Acredito que já tenho intimidade suficiente com meus leitores aqui para dividir novidades. Na próxima semana, embarco em direção a Providence, Rhode Island. Estou indo realizar parte da minha tese de doutorado na Brown University, uma das universidades mais antigas dos Estados Unidos, serão nove meses de estudo intenso. Tudo em mim é expectativa, o texto de hoje tem a marca dos meus dedos distraídos. Estou indo repleta de perguntas e minha única certeza é a saudade que sentirei. Aproveito este meu espaço aqui no Jornal, um lugar no qual caminho de pés descalços, para convidá-los a me acompanharem nessa jornada. Continuarei escrevendo de lá, contarei o que estou vendo, vivendo e descobrindo. Quando faltarem as palavras, tentarei metáforas.

Quando meu avião decolar, já saberemos o nome do novo presidente da República. Novo e velho ao mesmo tempo. O Brasil ainda não alcançou maturidade e independência, está preso em si mesmo, regressa à infantilidade sempre que surgem crises e desamparos. Essa é uma semana de travessia, saberemos no final dela o que sente a maioria. Estamos atravessando dias tensos, com garganta apertada e olhos arregalados, um momento que vai além da disputa de ideias. Aliás, faz algum tempo que não temos embate de ideias, elas foram dispensadas para que os afetos mais rasteiros fossem abraçados. Independentemente do resultado no domingo, sinto que já perdemos. Perde-se muito quando o ódio e palavras desumanas de divisão social são normalizadas. Cada um passou a caminhar com um radar na cabeça, tentando detectar de qual lado da trincheira o andante a vista está.

A política é uma guerra das palavras, mas o que se vive hoje é mais do que uma guerra de palavras, é uma chacina dos gestos humanos mais básicos. Estou falando das sutilezas que não pertencem aos detalhes ideológicos entre esquerda e direita. Estou falando da capacidade de enxergamos os mesmos fatos, da conquista humana de compreender que dois e dois são sempre quatro, de discordar sem pestanejar que metralhar oposição é antidemocrático, que desejar que estudantes queimem vivos é inaceitável, de que ditaduras não podem ser relativizadas, de que Deus não envia presidentes e de que a verdade deve vir antes de promessas com fadas e duendes. Verdade, ninguém mais sabe o que é isso. Não que a verdade seja um conceito fácil, mas perdeu-se o mínimo. Esse mínimo é tudo.

Depois do dia 30 de outubro o carrossel dos dias vai continuar, mas o que já descobrimos até aqui é o suficiente para exigir o pensar. Há algo que encanta no radicalismo, há algo na multidão convencida que não se desfaz com bons argumentos ou palavras bonitas. Escancara a nossa ignorância a facilidade com a qual relevamos frases que são verdadeiros coices. Por que aceitamos a incompetência e a baixaria daqueles que ocupam papel de grande importância? Cada um acorda para reviver os mesmos dias e crenças em suas pequenas caixas totalitárias e virtuais. Estamos embriagados pelo conflito. Já perdemos. A política do jeito que está virou licença poética para matar, desumanizar, deletar o respeito. Mesmo quando a coisa mais bizarra acontece, tudo se resolve com algumas justificativas criativas que fazem com que as velhas crenças permaneçam.

Não deveríamos nos acostumar em ver pessoas seguindo hipnotizadores e suas palavras. O que é isso que acontece e acomete uma multidão? Como pode um líder deixar milhões fervendo de uma paixão que queima todas as pontes? E se ali na frente esse abismo trouxer ainda mais separação? Por que seitas, cultos e grupos mudam nosso jeito de olhar, pensar e imaginar? O que significa acreditar em alguém e por que essa crença pode comprometer nosso senso de realidade? São essas as perguntas que estou levando comigo na mala, são essas as perguntas que deveriam tirar o sono de todos os brasileiros.


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